Hollywood sem filtro

Publicado em por Amandina Morbeck em Cotidiano
Publicidade antiga do Hollywood sem filtro - Imagem: Reprodução.

Publicidade antiga do Hollywood sem filtro – Imagem: Reprodução.

Acendo um cigarro Hollywood e olho pela janela do meu home office. Lá fora, céu escuro, carregado de nuvens, chuva fina caindo. É dia 31 de dezembro e anoitece. Hoje termina um ano e penso em minha mãe. Normalmente não fumo. Na verdade, nem sei tragar ou não consigo. Quando a fumaça começa a entrar em direção aos pulmões, ela é imediatamente expulsa.

Meu fumar resume-se a chupar a fumaça e a jogá-la fora. Acendo um cigarro Hollywood e lembro de minha mãe. E de mim, indo à tabacaria para comprar “uma carteira de Hollywood sem filtro”. Eu sabia o caminho e  voltava com seu cigarro. Eu era tão pequena e essa foi uma rotina dos meus 6 aos 11 anos de idade. Comprei Hollywood que vi no bar outro dia porque às vezes parece que quero me agarrar a alguma coisa que compartilhei com minha mãe. Ela morreu há três anos e há muito o Hollywood só vem com filtro. Não lembro o que ela fumava até um ano antes de sua morte. Acho que era outra marca mais barata. Não tenho tantas lembranças dela e as que restaram ainda são, em geral, tão dolorosas! Racionalmente, sei que sua existência foi o melhor que conseguiu viver. Olho para o que restou dela em mim – talvez mais até do que eu queira admitir além de traços físicos. Não sei dizer. Às vezes, rio e parece que o som é o dela, como se fosse ela a dar risada. Quando ela vivia, algumas datas eram sagradas para eu telefonar. Hoje seria uma delas. Seu número de telefone nem existe mais – ou se existe, pertence a outra pessoa. Não creio que vivamos além desta existência, mas isso não importa. Quando ela respirava neste planeta, eu sabia que era importante que eu telefonasse. Muitas vezes, fazemos coisas pelo bem-estar do outro e tudo bem. Termino o cigarro ainda olhando pela janela. Está frio. A pia está cheia de vasilhas que tenho de lavar e minhas duas cachorras esperam pelo jantar. Ao longe, ouço fogos de artifício estourando. Feliz 2016, mãe!

Amandina Morbeck

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