O livro Viver, rezar, amar, da escritora americana Elizabeth Gilbert (ou Liz Gilbert), conquistou o mundo com seus mais de 10 milhões de exemplares vendidos, traduzidos em mais de 30 idiomas. Graças a esse sucesso, acabou transformado em filme, que teve a charmosa Julia Roberts no papel principal interpretando Liz.
Durante sua jornada em busca de autoconhecimento, que incluiu viajar sozinha por três países (Itália, Índia e Indonésia), a escritora conheceu o brasileiro José Lauro Nunes – em Bali – e com ele viveu um romance no fim de sua jornada em 2003 e acabou se casando com ele em 2007. Sobre o encontro desse amor e a história bonita e tranquila que compartilhavam, escreveu Comprometida: uma história de amor. Em julho deste ano, porém, anunciou que estavam se divorciando. Até aqui, nada de novo na vida de pessoas que escolhem seguir caminhos diferentes.
Ontem (7/9/2016), porém, o motivo da separação dos dois foi divulgada na fan page de Liz no Facebook: a descoberta do amor romântico que sente pela também escritora Rayya Elias (autora do livro Harley Loco: A Memoir of Hard Living, Hair, and Post Punk, from the Middle East to the Lower East Side), sua melhor amiga pelos últimos 15 anos. Amor compartilhado, vivido, sofrido e que, ao que tudo indica, será curto, pois Rayya luta contra um incurável câncer de pâncreas e de fígado…
Ao decidir jogar tudo para cima para cuidar da amiga doente, o verdadeiro sentimento entre as duas finalmente tomou forma. E optaram por vivenciar esse romance, por compartilhar, juntas o quanto puderem, o tempo que lhes resta. Com isso, não restou outra opção para Liz a não ser colocar um ponto final ao seu casamento e vir a público para contar toda a história.
Não preciso dizer mais nada, já que os detalhes estão abaixo, no texto que traduzi e que foi postado por Liz. Amor, coragem, conexão, compartilhamento, felicidade em meio a dor. O que importa, no fim, é a qualidade que esse relacionamento terá, independentemente do quanto dure.
“RAYYA E EU
Meus queridos,
Há algo que quero contar para vocês hoje, algo que espero e acredito que vocês receberão com bondade.
Essa primavera*, recebi uma notícia que mudaria minha vida para sempre: minha melhor amiga, Rayya Elias, foi diagnosticada com câncer de pâncreas e de fígado, uma doença incurável.
No momento em que soube do diagnóstico de Rayya, um alçapão se abriu no fundo do meu coração (um alçapão que nem eu sabia que existia) e toda a minha existência passou direto por aquela porta. Daquele momento em diante, tudo transformou-se NELA. Cancelei tudo o que podia cancelar na minha vida e me coloquei a seu lado, onde estou desde então.
Muitos de vocês já sabem o que Rayya Elias é para mim. Ela é minha melhor amiga, sim, mas sempre foi muito mais que isso. Ela é meu modelo, minha companheira de viagem, minha fonte de luz mais confiável, minha fortaleza, minha maior confidente. Em resumo, ela é minha PESSOA. Já falei sobre ela tantas vezes nesta página, e muitos de você já me ouviram falar sobre ela em minhas palestras também (como na ‘Hummingbird’ [Beija-flor], onde a louvo com todo o amor que posso sentir). Alguns de vocês, com o passar dos anos, já foram até nos ver no palco palestrando juntas. Qualquer um que já nos viu juntas sabe que sou dedicada a Rayya. Isso nunca foi segredo. Como Ann Patchett falou uma vez sobre nossa amizade: ‘Seu amor pela Rayya sempre foi escancarado’.
Mas alguma coisa aconteceu no meu coração e na minha mente nos dias e nas semanas após o diagnóstico de Rayya. A morte – ou sua probabilidade – tem uma maneira de se livrar de tudo o que não é real, e naquele espaço de crua e total autenticidade, tive de encarar a verdade: eu não só amo a Rayya; eu estou apaixonada por ela. E não tenho mais tempo para negar essa verdade. A imagem de um dia sentar num quarto de hospital com ela, segurar sua mão e vê-la desaparecendo sem tê-la deixado (ou a mim) saber da intensidade dos meus verdadeiros sentimentos por ela… bem, isso era impensável.
Eis aqui algo sobre a verdade: depois que você a vê, não consegue ‘des-vê-la’. Assim, depois que essa verdade foi percebida pelo meu coração, ela não pode ser ignorada. Mas o que fazer com essa verdade que tem o potencial de devastar a vida?
Deixe-me lhes contar uma coisa que aprendi com Rayya nesses quinze anos de amizade. Ela é a pessoa mais corajosa e mais honesta que conheço e me ensinou mais sobre coragem e honestidade do que qualquer outra que já conheci. Seu mantra sobre a verdade, que a ouvi dizer tantas vezes nesses anos em tantas situações difíceis é: ‘A verdade tem pernas; ela sempre fica de pé. Quando qualquer outra coisa no cômodo foi detonada ou dissipada, a única a continuar de pé será sempre a verdade. Já que é nesse lugar que vai chegar, você bem que pode começar por ele’.
Assim, fiz o que Rayya me ensinou: eu simplesmente comecei lá. Falei minha verdade em voz alta.
Para quem está fazendo as contas aqui e está se perguntando se essa situação provocou o fim do meu casamento essa primavera*, a simples resposta é sim. (Por favor, entenda que não posso dizer mais do que isso. Acredito que vocês todos são sensíveis o suficiente para entender o quão difícil tem sido. Como David Foster Wallace escreveu uma vez: ‘A verdade te libertará – mas não até que te perpasse’. Sim, tem sido duro. Sim, a verdade nos perpassou. E sim, a verdade continua de pé.)
Então. Eis onde nos encontramos agora: Rayya e eu estamos juntas. Eu a amo e ela me ama. Estou com ela nessa jornada do câncer não apenas como sua amiga, mas como sua parceira. Estou exatamente onde preciso estar – o único lugar onde posso estar.
O motivo pelo qual ainda não havia falado publicamente sobre Rayya e eu é porque nós (e nossas famílias) precisávamos desse casulo de privacidade nos últimos meses, enquanto encaramos e processamos todas essas mudanças e todos esses desafios enormes.
Então, por que estou falando publicamente sobre isso agora? Porque – pelo melhor ou pelo pior – sou alguém que vive a vida sob o olhar público. Esse verão foi um período essencial de silêncio, de cura e de incubação para nós. Precisei desse tempo e sou grata por isso. Mas o verão acabou. Tenho trabalho a fazer no mundo – trabalho que não posso postergar mais. Estarei aqui e ali publicamente de novo nas próximas semanas e nos próximos meses. As pessoas me verão novamente. E quando me olharem, inevitavelmente me verão com Rayya porque – tendo Deus como testemunha – enquanto ela estiver saudável o suficiente para estar ao meu lado, ela estará lá. (Acredite: não desperdiçaremos um minuto juntas pelo tempo que ainda tivermos.)
Por minha integridade e por minha sanidade, preciso dar conta de entrar em qualquer espaço no mundo de braços dados com Rayya, sentindo relaxada o suficiente para me colocar de forma transparente sobre quem realmente somos uma à outra. Se eu não puder ser meu verdadeiro eu (seja na privacidade do lar ou aos olhos do público no mundo), então as coisas ficarão rapidamente bagunçadas, estranhas e estúpidas na minha vida. Claro, eu poderia fingir que Rayya continua sendo apenas minha melhor amiga, mas isso seria… vocês sabem… fingimento. Fingimento é humilhante, nos enfraquece e confunde e também dá muito trabalho. Não faço esse tipo de trabalho mais.
Eis o que quero para mim: preciso viver minha vida com verdade e com transparência, mais até do que preciso de privacidade ou de boa publicidade ou de prudência ou de aprovação e de compreensão de outras pessoas ou seja lá do que for. Verdade e transparência não apenas tornam minha vida mais ética, mas também é mais fácil. (Por que mais fácil? Porque inverdade é sempre complicada e verdade – independentemente das consequências – é sempre estranhamente simplificadora.) Assim, é por isso que Rayya e eu decidimos, juntas, falar publicamente agora sobre o câncer e sobre o amor de uma pela outra. É em nome de nossa integridade, mas é também para tornar nossas vidas mais simples.
O que lhes peço em resposta à minha verdade?
Deixe-me começar dizendo o que não estou pedindo. Se qualquer um de vocês, almas bondosas, ficarem tentadas, neste momento, a enviar informações para Rayya ou para mim a respeito de tratamentos ou de curas para câncer de pâncreas ou de fígado, gentil e respeitosamente imploro que se contenham. (Uma coisa que você descobre quando alguém que você ama tem câncer é que TODO MUNDO sabe de um milagre ou de uma história de terror que estão loucos para te contar. Rayya e eu estamos afogando em todas essas histórias sobre dietas especiais, clínicas incríveis, médicos horríveis, novos estudos, casos de alerta… Entendo que as pessoas só querem ajudar, mas, por favor, não nos inundem com mais dados, ok? Rayya escolheu seu caminho através dessa doença e ela é forte em suas escolhas. Obrigada pelo cuidado, porém!)
Mas eis o que pedirei: porque acredito no amor, pedirei amor.
Qualquer amor de sobra que vocês estiverem carregando no coração neste momento, podiam enviar algum nesta direção? Eu agradeceria muito e – acredite – ele será sentido. E ajudará. Nos identificaremos com ele e os agradeceremos por isso. Porque a verdade é a força que nos guia para onde precisamos estar na vida, mas o amor é a força que nos cura assim que chegamos lá.
Paz, bênçãos e saúde a todos.
AVANTE,
♡LG”
—-
Atualização: Rayya morreu no dia 4 de janeiro de 2018. Abaixo, a homenagem que Liz fez para ela no Instagram:
(Por: Amandina Morbeck)
*Nota da tradutora: nos Estados Unidos, hemisfério norte, a primavera começa em março e termina em junho.